5 de novembro de 2010

Afetos Perdidos

A angústia dos tempos sem afeto.

O suicídio é um fenômeno grave, principalmente entre os adolescentes. É a primeira causa de morte os jovens (14 a 25 anos), comparada às mortes de causas naturais. O suicídio mata mais que problemas cardíacos ou de câncer. É um caso de saúde pública.
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Envenenamento, enforcamento, afogamento, arma de fogo, uso de objetos cortantes, precipitação de lugares elevados… Um dos grandes tabus das sociedades contemporâneas, o suicídio é tema que foge das rodas de conversa, das matérias noticiosas e, até mesmo, das pesquisas acadêmicas. Daí a importância de estudos que tentam pôr o dedo na ferida e problematizar a questão, como Suicídio em Fortaleza: Estudo de 50 anos (Demócrito Rocha, 143 páginas), do médico psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cleto Brasileiro Pontes.

O POVO – Uma das descobertas do livro é que, se em 1957 a proporção entre homem e mulher que se matava era praticamente a mesma, hoje o homem se mata quatro vezes mais. Por que isso ocorre?
Cleto Brasileiro Pontes – Essa mudança já era prevista e se deve a diversos motivos. Mas eu dou enfoque ao fato de que a mulher, nesses últimos anos, tem ampliado seu poder real e simbólico na nossa sociedade. Então, fenômeno como esse, que é indicador do nível de saúde mental e de adaptação na sociedade, faz pensar que a mulher se adaptou melhor nos últimos anos que o homem, que vem perdendo seu poder real e simbólico. Isso se aplica também a estudos relacionados a drogas e a acidentes automobilísticos, onde o homem é muito mais acometido do que a mulher.
OP – De acordo com padrões epistemológicos internacionais, a taxa de suicídio em Fortaleza é baixa. Que imagem social o fortalezense tem do suicídio, e quais são as estratégias culturais utilizadas por ele a fim de conviver com esse tipo de morte?
Cleto Brasileiro Pontes – Dentro da abordagem que faço sobre suicídio, tento mostrar que esse fenômeno tem que ser compreendido e analisado dentro do contexto da violência. Ou seja, são três tipos de mortes violentas: homicídio, suicídio e acidente. Émile Durkheim (sociólogo francês) elaborou uma lei sociológica dizendo que o suicídio era inversamente proporcional ao homicídio. Numa sociedade onde o homicídio prevalece, a tava de suicídio tende a ser baixa. Eu complemento acrescentando que os acidentes, quando ocorrem numa sociedade como a nossa, onde o número de homicídios é altíssimo, os acidentes têm um significado simbólico de suicídio. Por exemplo: um operário que cai de um edifício, quando está construindo. Geralmente não tem culpado, ali não existe processo de condenação, é como se ele caiu porque foi imprudente. Se não existe culpado ou condenado, é suicídio, simbolicamente. Porque a culpa é da pessoa.
OP – Em seu livro, ao falar da origem semântica da palavra “suicídio”, o senhor diz possível imaginar pelo menos outras duas palavras: suicidólogo, quem estuda o fenômeno, e suicidável, quem tem tendência ao suicídio. Quem se encaixaria nessa segunda categoria?
Cleto Brasileiro Pontes – As palavras “suicidável” e “suicidólogo” são neologismos que ainda não foram aceitos. Mas existem pessoas com propensão ao suicido? Existem. Sobretudo quando há casos na família. Daí, reforço uma sabedoria ao contrário: deve-se sim falar de corda na casa do enforcado. Porque o suicídio não é hereditário. Contudo, algumas enfermidades psiquiátricas podem ser, como o transtorno bipolar e a esquizofrenia. Dos portadores dessas enfermidades, 10% se matam e 50% tentam. Claro que ninguém pode reduzir o fenômeno a uma questão psicopatológica. Mas, como psiquiatra, sou obrigado a dar orientações em termos preventivos. Por exemplo: uma pessoa que tenta duas vezes, a chance de ele tentar a terceira é 100%.
OP – Isso se não houver intervenção, correto?
Cleto Brasileiro Pontes – Se não houver intervenção. Daí porque eu tento dizer que essa história de “cachorro que ladra não morde” é uma psicologia puramente canina. Porque quando o indivíduo tenta o suicídio ele está se comunicando, devido à falência de outras comunicações. Ou seja, dizer que ele tentou e não se matou porque não queria morrer é absurdo. Existe, no código penal, que se você induzir alguém a se matar, você pode pegar de 2 a 6 anos de reclusão. São quatro pecados na religião católica: pensamento, palavra, obra e omissão. Pensar, eu diria que é universal. A gente fala quando o sofrimento está muito intenso. Quando a gente não consegue se comunicar através da palavra, vem o gesto, a obra. No caso do suicídio, o pior pecado é a omissão, não querer falar sobre o assunto. Devemos entender que ninguém nesse mundo quer morrer, mas se mata. Daí uma diferença abissal entre querer morrer e se matar. E toda tentativa precede de um aviso.
OP – Que tipo de aviso?
Cleto Brasileiro Pontes – Pode ser uma carta, um desabafo verbal, um comportamento bizarro. Geralmente, a família vê quando a pessoa está bebendo demais ou se comprou arma, veneno. Mas a família se nega a escutar o sofrimento do outro. Se escuta, ela se sente mais fragilizada e tenta recalcar. A tentativa é uma forma de comunicação; quando ela tem êxito, o ato não terá. E o ato acontece em uma fração de segundo. Ou seja: muitas pessoas decidem não se matar porque alguém interferiu, um amigo telefonou, por exemplo. Tenho o caso de um paciente de Mossoró (RN) que, quando ia pulando do precipício, seu celular toca e ele diz “alô, pai”.
OP – Em grande parte das redações mundo afora, é recomendado aos jornalistas que evitem a divulgação de suicídios. A justificativa se baseia na hipótese de que qualquer notícia sobre o assunto poderia desencadear uma série de atos semelhantes. O que o senhor pensa a esse respeito?
Cleto Brasileiro Pontes – Eu defendo. Eu tenho uma teoria, chamada “modelo antropológico-existencial”, onde explico por que a pessoa se mata. E esse modelo é baseado num tripé. O primeiro: o que fundamenta nossa existência é a infelicidade. O segundo é que o ser humano é paradoxal: é contraditório e absurdo. Ou seja, a infelicidade fundamenta a nossa existência e o paradoxo funciona como modus vivendis. E o terceiro é que o ser humano é muito mais mimético que racional. Daí porque não se deve divulgar suicídios ou fazer alarde na mídia, porque com certeza isso pode incrementar o número de suicídio. Devemos falar (sobre suicídio), mas de forma ética, científica, não da forma de imprensa marrom (termo que designa “imprensa sensacionalista”).
OP - Como o senhor se aproximou do tema, por que resolveu estudá-lo?
Cleto Brasileiro Pontes – Para não me matar. É reconhecido que, dentro das especialidades médicas, quem mais se mata são psiquiatras, anestesistas e oftalmologistas, em terceiro lugar. Certamente, a minha preocupação em estudar tem a ver com a preocupação com a minha saúde mental. E a minha contribuição como cidadão e profissional na área, para que haja melhor qualidade mental da nossa população.
Suicídio de jovens aumenta 1.000%
Especialistas reunidos em congresso de suicidologia ressaltam que, apesar do crescimento, é possível evitar as mortes

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O número de suicídios cometidos por homens jovens, com idades entre 15 e 25 anos, aumentou mais de 1.000% nos últimos dez anos no mundo, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). O Brasil está entre os dez países que mais notificam o problema e também seguiu a mesma tendência de crescimento. Em 2002, foram registradas 1.600 mortes desse tipo no país, só de jovens.
Apesar do crescimento, especialistas reunidos no 2º Congresso de Suicidologia da América Latina e Caribe, que acontece em Belo Horizonte, ressaltam que é possível prevenir o suicídio. O modo de vida moderno – com poucos laços afetivos e a falta de uma referência familiar – é, para a presidente da Associação de Suicidologia da América Latina e do Caribe (Asulac), Silvia Peláez, o principal fator de risco que pode estar levando a esse aumento. “A modernidade não estimula a integração, a convivência e dá como valores referenciais o consumo. O pai trata os jovens como criança e isso provoca angústias”, afirmou Silvia.
Segundo o coordenador do Departamento de Saúde Mental em Genebra da OMS, José Manoel Bertolote, não há uma resposta única para o problema. “É possível que a modernidade, o consumismo sejam fatores que desencadeiam esse aumento. Mas vemos um maior acesso a armas de fogo, um aumento da demanda de doentes mentais que não são tratados e muitos casos de depressão”, afirmou o especialista. Segundo ele, o consumo de álcool e drogas também são fatores de risco para o suicídio.
“É um problema de saúde mental, que a pessoa comete em um ato de desespero. É preciso divulgar que tem prevenção”, disse Bertolote. Para a psicóloga Marília de Freitas Aguar, especialista em saúde da criança e do adolescente, o aumento das tentativas de suicídio entre jovens assusta. “Os dados ainda são subnotificados, mas o mais importante é aumentar a prevenção. O suicídio é um evento multifatorial, mas vemos que acontece com jovens que estão em um rede social frágil, com tendência a depressão”, afirmou.
Segundo Marília, é fundamental que a família perceba o que está acontecendo de errado. “Hoje a gente acredita que 100% dos suicídios são anunciados. São falas, atitudes que as pessoas próximas não consideram. Existe uma certa dificuldade para a família em ver isso, não é por maldade”, explicou a psicóloga.
Vítima

A jovem Ester, 19, tentou suicídio mais de uma vez. Ela conta que deu várias dicas à sua família de que sua vida estava por um triz, mas a situação só melhorou depois que ela foi parar no hospital. Não saber lidar com a crise existencial própria da adolescência desencadeou o problema. “Tinha um pensamento fixo de aniquilar minha vida, usei drogas e isso favoreceu muito para eu tentar me matar. Eu batia em mim mesma, usava muitos antidepressivos, tentei me jogar na frente de um ônibus, até eu ingerir uma quantidade muito grande de remédios e ir parar no hospital”, conta.
A tentativa foi frustrada e valeu para que a estudante “acordasse para a vida”. “Foi muito ruim quando vi todo mundo chorando, mas serviu para que minha família acordasse também e percebesse o momento que eu estava passando. Caí na real que eu estava totalmente errada e que precisava enfrentar uma vida nova. Tinha somente pensamentos negativos. Acho que só perceberam mesmo quando fui parar no hospital. Eu precisava somente da minha família, unida. Sabia que estava errada, mas não tinha forças para sair daquilo sozinha”, disse a estudante que agora, recuperada, está sonhando com seu futuro.
Fonte: O Povo e O Tempo

Um comentário :

  1. Oi Eliane.
    Na opinião de Albert Camus "o suicídio é a grande questão filosófica de nosso tempo, decidir se a vida merece ou não ser vivida é responder a uma pergunta fundamental da filosofia".
    Pessoalmente, não sei se trata de um ato de suprema coragem ou de extrema covardia. Sou inclinado a concordar com Graham Greene: "suicídio é, freqüentemente, apenas um grito por ajuda que não foi ouvido a tempo.” Independente disso, considero positivo que a imprensa não mais noticie casos de suicidio, com o objetivo de não estimular que os jovens (e não só eles) vejam no ato radical uma saída para problemas pontuais da existência. Viver é sempre a melhor opção.

    Beijo.

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